Pedro Maia Gomes

 

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Outros Poetas

 

  Mário Cesariny

      You are welcome to Elsinore ( Mário Cesariny)

    Sophia de Mello Breyner

      Porque

    Manuel Alegre

      Trova Do Vento Que Passa ( Manuel Alegre)

    António Ramos Rosa

      Na grande confusão...

    Eugénio de Andrade

      Urgentemente

    António Gedeão

       Lágrima de Preta

       Pedra Filosofal ( Carlos do Carmo)

    José Luís Peixoto

            na hora de pôr a mesa...

            todo o amor do mundo...

    Florbela Espanca

            A uma rapariga


 

You are welcome to Elsinore

 

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos a morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

 

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição
 

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsinore
 

E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmos só amor só solidão desfeita
 

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever de falar
 

                            Mário Cesariny

 


 

Porque

 

Porque os outros se mascaram mas tu não

Porque os outros usam a virtude

Para comprar o que não tem perdão.

Porque os outros têm medo mas tu não.

 

Porque os outros são os túmulos caiados

Onde germina calada a podridão.

Porque os outros se calam mas tu não.

 

Porque os outros se compram me se vendem

E os seus gestos dão sempre dividendo.

Porque os outros são hábeis mas tu não.

 

Porque os outros vão à sombra dos abrigos

E tu vais de mãos dadas com os perigos.

Porque os outros calculam mas tu não.

  

                Sophia de Mello Breyner

 


 

Trova Do Vento Que Passa

 

Pergunto ao vento que passa

notícias do meu país

e o vento cala a desgraça

o vento nada me diz.

 

Pergunto aos rios que levam

tanto sonho à flor das águas

e os rios não me sossegam

levam sonhos deixam mágoas.

 

Levam sonhos deixam mágoas

ai rios do meu país

minha pátria à flor das águas

para onde vais? Ninguém diz.

 

Se o verde trevo desfolhas

pede notícias e diz

ao trevo de quatro folhas

que morro por meu país.

 

Pergunto à gente que passa

por que vai de olhos no chão.

Silêncio – é tudo o que tem

quem vive na servidão.

 

Vi florir os verdes ramos

direitos e ao céu voltados.

E a quem gosta de ter amos

vi sempre os ombros curvados.

 

E o vento não me diz nada

ninguém diz nada de novo.

Vi a minha pátria pregada

nos braços em cruz do povo.

 

Vi meu poema na margem

dos rios que vão pró mar

como quem ama a viagem

mas tem sempre de ficar.

 

Vi navios a partir

(Portugal à flor das águas)

vi minha trova florir

(verdes olhos verdes mágoas).

 

Há quem te queira ignorada

e fale pátria em teu nome.

Eu vi-te crucificada

nos braços negros da fome.

 

E o vento não me diz nada

só o silêncio persiste.

Vi a minha pátria parada

à beira de um rio triste.

 

Ninguém diz nada de novo

se notícias vou pedindo

nas mãos vazias do povo

vi minha pátria florindo.

 

E a noite cresce por dentro

dos homens do meu país.

Peço notícias ao vento

e  o vento nada me diz.

 

Mas há sempre uma candeia

dentro da própria desgraça

há sempre alguém que semeia

canções no vento que passa.

 

Mesmo na noite mais triste

em tempo de servidão

há sempre alguém que resiste

há sempre alguém que diz não.

 

                                       Manuel Alegre

 


Na grande confusão
deste medo 
deste não querer saber 
na falta de coragem 
ou na coragem de 
me perder me afundar 
perto de ti tão longe 
tão nu
tão evidente 
tão pobre como tu 
oh diz-me quem sou eu 
quem és tu?

 

        António Ramos Rosa

 


 

Urgentemente

 

É urgente o amor. 
É urgente um barco no mar. 

 

É urgente destruir certas palavras, 
ódio, solidão e crueldade, 
alguns lamentos, 
muitas espadas. 

 

É urgente inventar alegria, 
multiplicar os beijos, as searas, 
é urgente descobrir rosas e rios 
e manhãs claras. 

 

Cai o silêncio nos ombros e a luz 
impura, até doer. 
É urgente o amor, é urgente 
permanecer. 

 

        Eugénio de Andrade


 

Lágrima de preta

Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.

 

                António Gedeão

 


 

Pedra filosofal

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

 

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

 

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

 

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

 

                   António Gedeão

 


na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois o meu pai morreu. hoje,
na hora de põr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva, cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós for vivo, seremos
sempre cinco.

 

                    José Luis Peixoto

 


todo o amor do mundo não foi suficiente porque o amor nao serve de nada. ficaram só

os papéis e a tristeza, ficou só a amargura e a a cinza dos cigarros e da morte.

os domingos e as noites que passámos a fazer planos não foram suficientes e foram

demasiados porque hoje são como sangue no teu rosto, são como lágrimas.

sei que nos amámos muito e um dia, quando já não te encontrar em cada instante, em cada hora,

não irei negar isso. não irei negar nunca que te amei. nem mesmo quando estiver deitado,

nu, sobre os lençóis de outra e ela me obrigar a dizer que a amo antes de a foder.

                                       

José Luis Peixoto

 


A uma rapariga

 

A uma rapariga                         

 

Abre os olhos e encara a vida! A sina
Tem que cumprir-se! Alarga os horizontes!
Por sobre lamaçais alteia pontes
Com tuas mãos preciosas de menina.

Nessa estrada de vida que fascina
Caminha sempre em frente, além dos montes!
Morde os frutos a rir! Bebe nas fontes!
Beija aqueles que a sorte te destina!

Trata por tu a mais longínqua estrela,
Escava com as mãos a própria cova
E depois, a sorrir, deita-te nela!

Que as mãos da terra façam, com amor,
Da graça do teu corpo, esguia e nova,
Surgir à luz a haste de uma flor!...

 

                    Florbela Espanca